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Foi há muito tempo, em São Paulo. Num dos hospitais para crianças com câncer, conheci Isabel. Dez anos recém completos e um câncer raro, muito agressivo.
Os pais foram bem rápidos em procurar ajuda, e foi isso que garantiu a ela um pouco mais de tempo e de qualidade de vida do que promete esse câncer.
Quando eu a conheci já eram visíveis os efeitos da quimioterapia: sem cabelos, quase sempre cansada, olhar que muitas vezes denunciava sofrimento, desse tipo que crianças não deveriam nunca enfrentar.
Havia dias em que ela não conseguia sair da cama; tão logo arranjava um pouco de força, saía a visitar outras crianças. Levava às vezes um livro, outras um jogo, outras não tinha nada nas mãos.
Estava internada num hospital público, mas a família tinha recursos.
Um dia ela me disse que no início do tratamento a incomodava ter mais dinheiro do que a maioria das outras crianças. Até entender que o seu dinheiro poderia ajudá-las.
Os pais viviam lhe trazendo os presentes que ela lhes pedia continuamente. Nenhum era para ela.
Nas suas conversas com as outras crianças ela acabava perguntando sobre os sonhos que as outras gostariam de realizar antes de morrer (parece chocante, mas quem convive com crianças com doenças potencialmente mortais sabe da naturalidade com que a maioria encara o seu destino).
Os presentes eram o que de mais parecido ela ou os pais conseguiam imaginar, para representar os sonhos das crianças.
Quando não conseguiam criar um objeto para ser um presente, ela escrevia longas cartas. Falava do céu, da vida linda que todas teriam lá um dia. Falava do amor pelos pais, pelos irmãos, e ensinava como consolá-los.
Poucos dias antes de morrer, sem ânimo para andar pelo hospital, ela se pôs a escrever freneticamente e não pedia para ninguém entregar as cartas.
Numa bolsa cor de rosa, que era a sua paixão, elas foram encontradas: uma para cada um dos pais, para os irmãos, para muitas das crianças, para os membros da equipe que cuidaram dela: ela agradecia por ter sido tão feliz, vivendo a sua curta vida entre eles. E invariavelmente terminava cada carta dizendo que ajudaria cada um a se despedir da vida quando fosse a hora.
Eu recebi uma dessas cartas.